Não queremos ser zumbis corporativos

  • Publicado em 21 jun 2022 • por msaracho@administracao.ms •

  • “O amor e o trabalho são os pilares da humanidade”.

    A frase de Sigmund Freud certamente não tem qualquer intenção de defender o trabalho exploratório ou o emprego como condição à humanidade. Pelo contrário, é um convite e uma provocação a serem aceitos para compreendermos a importância do trabalho na construção de quem somos e de como nos relacionamos na sociedade. Mas, para isso, precisamos ampliar nossa visão sobre o tema.

    Tradicionalmente, quando falamos sobre trabalho, pensamos no trabalho-financeiro: a atividade realizada para ganhar dinheiro, conquistar condições de sobrevivência e, com sorte suor e algumas lágrimas, concretizar sonhos e desejos (Opa. Desde que possam ser comprados…). Ou seja, falamos do emprego e de suas variações.

    Em consequência, desenvolvemos a tendência de dedicar a ele a maior parte, se não a totalidade, da nossa energia produtiva. Na verdade, para muita gente, a atividade principal de suas vidas é o trabalho. Além disso, olhamos com julgamento e até reprovação para pessoas que tomam decisões profissionais priorizando outros elementos de conexão com o trabalho, que não o dinheiro. O primo que é músico é visto como vagabundo. A irmã que é pintora tá perdida, coitada. Bom mesmo é o vizinho que foi promovido a gerente (mas perdeu o aniversário da filha nos últimos dois anos…)!

    Esse é um fenômeno de impressão social de valor que nos empurrou por séculos rumo a empregos pré-definidos pelo mercado e pelas empresas. Quantas escolhas de carreira terão sido feitas com o pensamento “onde haverá mais vagas de trabalho no futuro” em vez de “o que eu sei e quero fazer que pode gerar impacto e contribuição”? O primeiro vê o mercado. O segundo vê o indivíduo. Que tal a gente juntar isso aí, hein?

    Se a atividade com reconhecido valor econômico e financeiro fosse a única definição válida de trabalho, onde se encaixariam as outras atividades que demandam nossa participação ativa e que trazem impacto potencial sobre nós e sobre as pessoas ao nosso redor?

    Quem não tem emprego não trabalha? Quem não recebe dinheiro por sua ação produtiva é vagabundo? Não seria trabalho a jardinagem que alguém realiza por horas – ou a invenção e o preparo de receitas culinárias fantásticas que só você sabe fazer (bem ou mal… rsrs)? A arrumação do seu quarto? A limpeza do banheiro? O cuidado na criação de um filho? O estudo para ser aprovado em um teste? O lixo que você recolhe na praça? A realização de um exercício físico intenso? A composição de uma melodia? O quadro pintado para oferecer a um amigo? A limpeza da caixa d’água? Há trabalho que é obrigação, há trabalho que é escolha, há trabalho que é prazer, há trabalho que é treino, há trabalho que é expressão…

    Reduzir o conceito de trabalho à sua vertente econômico-financeira é limitá-lo. É encolher as possibilidades de criação e de realização humana, colocando o controle dos estímulos de ação nas mãos de terceiros. É tirar do ser humano um pedaço da sua humanidade.

    E, talvez, seja o pedaço que o torna essencialmente humano, porque trabalho é intenção convertida em ação, é expressão de si na ação produtiva, é construção de identidade na interação com o mundo. Também é um lugar de transformar em realidade o que existe em nós como potência. Se esse espaço nos for restrito ao olhar financeiro, será que cabemos mesmo naquele “lugar”?

    Não me entenda mal. Eu não estou pregando o fim do trabalho formal e do emprego, não. O que eu trago aqui é um puxão de orelhas para organizações, lideranças e RHs que, muitas vezes, limitam o campo de ação das pessoas, deixando-as num espacinho tão apertado para “não gerar problema” e para “maximizar a eficiência” (cof! Lucro!), que acabam sendo negligentes com o papel social de suas organizações e ignoram que o trabalho não é apenas um lugar onde as pessoas vão para deixar algo – a sua produção -, e receber algo – o dinheiro.

    Para não cair nessa armadilha, as empresas devem refletir sobre os seguintes pontos:

    – Não é sobre o cargo. É sobre espaço de ação e de compreensão de papel. Na sua empresa, um(a) profissional consegue trazer sua essência ou o trabalho é totalmente prescrito? O que pode ser feito nesse sentido?

    – Existe alguma interação na definição das atividades e nas métricas de avaliação sobre a performance realizada?

    – As pessoas são ouvidas sobre seus interesses e desejos de contribuição além de seu compromisso principal de entrega?

    – Quem é mais importante para a empresa? A posição e o crachá, ou a pessoa por trás dele? Como isso é representado no dia a dia?

    Agora, se você pensou que ia sair sem um empurrãozinho também, lembre-se que organizações, lideranças e RHs são conjuntos de pessoas. Ou seja, todo CNPJ é uma somatória de CPFs ;^).

    Portanto, faça sua parte. Amplie sua compreensão sobre o tema, observe os objetivos compartilhados, discuta o assunto com sua liderança e, por que não, com sua família. Encaminhe esse texto para seu RH. Faça perguntas. Compartilhe percepções e feedbacks.

    Afinal, também é nosso trabalho mudar o mundo do trabalho. Ou como diria Freud, em outro pensamento potente:

    “Qual é a sua responsabilidade na desordem sobre a qual você se queixa?”

    Fonte: Uol.

    Categorias :

    Artigos Bem-Estar e Saúde, Geral

    Veja Também